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5 de novembro de 2008

A mensagem do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus


Manuel Augusto Rodrigues


Concluídos os trabalhos do Sínodo que teve como tema "A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja" foi apresentada a Bento XVI a série de conclusões obtidas. Na missa de encerramento o papa disse a certa altura: "Nesta celebração eucarística, que encerra os trabalhos sinodais, advertimos de forma singular para a ligação que existe entre a escuta amorosa da palavra de Deus e o serviço desinteressado para com os irmãos. Quantas vezes, nos dias passados, sentimos experiências e reflexões que evidenciam a necessidade hoje emergente de uma escuta mais íntima de Deus, de um conhecimento mais verdadeiro da sua palavra de salvação, de uma partilha mais sincera da fé que se alimenta constantemente na mesa da palavra divina!".
Por seu turno os padres sinodais elaboraram uma mensagem final que está dividida em quatro partes e estas por sua vez em quinze pontos. A primeira é dedicada à voz da Palavra que é a revelação. Em Deut. 4, 12 lêem-se estas palavras de Moisés: «O Senhor vos falou do meio do fogo; vós ouvíeis o som das suas palavras, mas não apercebíeis nada senão uma voz!». Deus estava presente não como uma imagem ou uma efígie, ou uma estátua semelhante ao bezerro de ouro, mas como um «som de palavras». Uma voz tinha entrado em cena nos inícios da criação rasgando o silêncio do nada. O início do livro do Génesis e do evangelho de S. João coincidem: «No princípio era o Verbo…e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito» (Gen. 1, 1. 3; Jo. 1, 1, 1. 3).
As criaturas não nasceram de uma luta entre deuses, como era ensinado na antiga mitologia mesopotâmica, mas de uma palavra que vence o nada e cria o ser. Trata-se de uma primeira revelação cósmica. A palavra divina está também na origem da história da humanidade. O homem e a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus. E nos livros do Pentateuco em que a figura central é Moisés encontramos a acção divina a favor do seu povo.
As Santas Escrituras são o testemunho, sob forma escrita, da palavra divina, são o memorial canónico, histórico e literário que atesta o acontecimento da Revelação criadora e salvadora. A Tradição vem depois esclarecer o texto sagrado.
A segunda parte trata do rosto da Palavra que é Jesus Cristo. No original grego há três palavras fundamentais: "Lógos sarx eghéneto" que equivalem a «o Verbo fez-se carne» (Jo. 1, 14). As palavras sem um rosto não são perfeitas, porque elas não cumprem em plenitude o encontro. Jesus é a imagem de Deus invisível. É carne frágil e mortal, é a história da humanidade, mas é também glória, divindade, mistério. A tradição cristã pôs em paralelo a palavra divina que se faz carne com a mesma palavra que se faz livro.
Importante é, pois, a necessidade da Tradição viva de toda a Igreja. Se seguimos apenas o texto, a Bíblia torna-se unicamente um solene documento do passado, um testemunho nobre, ético e cultural. Cristo projecta a sua luz, retrospectivamente, em todo percurso da história da salvação, revela a coerência, o significado e o sentido. Ele é o alfa e o ómega (Ap. 1, 8) dum diálogo entre Deus e as suas criaturas prolongado no tempo e atestado na Bíblia.
A terceira parte versa o tema da casa de Deus que é a Igreja. Como a sabedoria divina no Antigo Testamento ela construiu a sua casa na cidade dos homens e das mulheres fazendo-a descansar sobre sete colunas (Pr. 9, 1). Paulo diz que «a fé nasce da escuta, e a escuta relaciona-se com a palavra de Cristo» (Rom. 10, 17). A homilia é para muitos cristãos o ponto culminante da pregação, pelo que os anunciadores da mensagem de Deus devem igualmente actualizar estas obras segundo os tempos e os momentos vividos por aqueles que a escutam e suscitar no coração dos ouvintes a pergunta de conversão e de compromisso vital: «Que devemos fazer?» (Act. 2, 37). Ou seja, conhecer os acontecimentos da história da salvação e transpô-los para o presente.
A celebração eucarística e a liturgia alimentam-se dos textos sagrados e sem eles não têm qualquer sentido. Ouro pilar do edifício espiritual da Igreja, casa da Palavra, é constituída por orações, «salmos, hinos e cânticos inspirados» (Col. 3, 16). A "lectio divina", a "oratio" e a "contemplatio" devem fundamentar-se no Livro que encerra ensinamentos e factos que merecem ser lidos e meditados. A última coluna é a koinonia, a comunhão fraterna, outro nome de ágape, o amor cristão.
A quarta parte é consagrada aos caminhos da Palavra: a missão. A sociedade secularizada onde dominam a incredulidade e a indiferença carece de um conhecimento esclarecedor dos conteúdos insertos na Bíblia. Para isso é indispensável o recurso aos meios modernos de comunicação. E faz-se uma alusão especial ao papel da família que é o espaço privilegiado da Palavra.
A parábola do semeador diz-nos que há terrenos áridos, rochosos, sufocados pelos espinhos. É o que sucede com tantas desgraças que abalam o mundo: a miséria, as doenças, a exclusão social as guerras e a violência, etc. E, finalmente, levanta-se diante de nós o mistério da morte. Mas a figura de Cristo assegura a vitória do bem sobre o mal. A esperança proclamada nos livros santos representa a resposta a tudo quanto aflige o homem.
A palavra divina e o encontro intenso com o povo judaico, assunto a que Bento XVI tem dado particular atenção, são devidamente referidos. Mas também no diálogo com as outras religiões o texto escriturístico ocupa um lugar fundamental, pois ele constitui a base do diálogo e do encontro das religiões.
Na Carta aos Artistas (1999) João Paulo II lembrava que «a Santa Escritura se tornou assim uma espécie de imenso dicionário (P. Claudel) e de atlas iconográfico (M. Chagal) onde a cultura e a arte cristã se inspiraram». Goethe estava persuadido de que o Evangelho era a língua materna da Europa. A Bíblia é o grande código da cultura universal: os artistas recorreram à história, aos símbolos e às figuras que estão nas páginas da Bíblia. Também os músicos compuseram muitas das suas harmonias a partir especialmente dos Salmos. Os escritores retomaram amiúde as palavras da Bíblia para os seus trabalhos literários. A isto se chama a "via pulchritudinis", ou seja, o percurso da beleza para compreender e chegar a Deus.
Como património único a Sagrada Escritura enraizou-se em culturas e civilizações diversas enriquecendo-as de forma admirável. O facto de ser o livro mais vezes editado em numerosas línguas e de tantos comentários que têm aparecido ao longo dos tempos atesta a sua universalidade e o reconhecimento do seu valor.

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