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6 de março de 2008

O risco da comunhão

Jorge Cotovio

Eu sei que o título é provocatório. Quando tanto se fala em comunhão – quando sabemos que, como humanos, nascemos da união de um homem e de uma mulher, e somos seres que precisamos de viver em "re+lação", quando sabemos que, como Homens, somos filhos da comunhão trinitária que nos projecta para a união espiritual com todos –, seria bem mais "canónico" escrever, por exemplo, o desafio, a urgência, a necessidade, a importância, … da comunhão.
Mas quero pisar o risco. Propositadamente.
Olhando uns anitos atrás, vemos um Abraão a ter de deixar a sua casa, a sua terra para unir e conduzir um povo, vemos Moisés a inquietar-se com um povo para ser fiel à "Aliança", vemos Jesus Cristo a sair do conforto do seu lar e a deixar o seu previsível e tranquilo ofício de carpinteiro para se incomodar com os outros, querendo "que todos sejam um". Também vemos Pedro, João, Paulo, a deixarem as suas fainas, os seus comodismos, as suas rotinas, para pregar a mensagem do Amor, da comunhão. Assim nascem as primeiras "comunidades" cristãs, "católicas" porque querem atingir e unir todos.
Não há dúvida, somos herdeiros da comunhão e somos feitos para a comunhão – uma "união" especial, pois é "comum" a todos. Todavia, num percurso histórico afectado por conflitos, cismas, divisões e individualismos, quais os riscos de vivermos "em comunhão"? Na família, esquecermo-nos de nós próprios para fazermos felizes os outros e aceitarmos o marido, a mulher, os filhos, tal qual são (mas isto é muito difícil, pois cada um de nós também busca o prazer, o conforto e acha que tem sempre razão; e se alguém tem de mudar, são os outros…). Na sociedade, criar "relações" de amizade (que ultrapassem as meras relações institucionais) e gostar mesmo daqueles que não simpatizam connosco (mas isto é muito difícil, exige muito de cada um de nós, e não temos tempo nem paciência para isso…).
E passando para a esfera eclesial? Quais os riscos da comunhão, agora tão insistentemente pedida pelo(s) nosso(s) bispo(s) e pelo Papa (e sentida tão urgente pelos cristãos em geral)?
Nas paróquias, em vez de tantas festas em honra (?) de tantos santos, prescindir de algumas em detrimento de festas "comunitárias" que envolvam várias paróquias (a "unidade pastoral", por exemplo); em vez de vários párocos a trabalhar isoladamente e a procurar acudir a todas as solicitações, talvez uma programação de trabalho em conjunto (algo que já se vai fazendo) e, depois, um trabalho efectivo em conjunto (algo que é bem mais difícil, pois envolve tolerância, aceitação das diferenças, paciência, discrição, humildade); em vez de párocos a assumirem, individualmente, a responsabilidade da(s) comunidade(s), talvez uma maior harmonia e proximidade com os leigos, "co-responsabilizando-os", pois estão unidos na mesma missão (eu sei que isto é muito difícil, pois os leigos foram, durante séculos, educados para a submissão, em vez de ser para a missão!; a comunhão exigirá maior respeito pelo papel específico de padres e leigos, paciência – pois os ritmos são diferentes – , aceitação das diferenças – algo tão difícil, até entre os cristãos mais empenhados – e ausência de atitudes de poder ou protagonismo); em vez de se olhar principalmente para os católicos praticantes, a comunhão exigirá não esquecer os outros, os não praticantes, os revoltados, os indiferentes, os ateus (uma missão que parece quase impossível, quando, actualmente, nem os que nos procuram conseguimos "converter", de modo a assumirem a sua "magnífica" vocação laical; se queremos "comunhão", temos de assumir este risco e ir à procura da ovelha tresmalhada; encontrando uma só que seja, devemos fazer festa).
Nos movimentos e secretariados, quais os riscos da comunhão? Talvez sair dos perímetros do "meu" movimento ou secretariado e encontrar no carisma do outro um grande recurso para a missão comum (como isto é tão difícil, meu Deus! exige ver os outros como membros do mesmo corpo, em vez de "concorrentes"; exige pensar, antes de mais, que ao abrir-me aos outros, não enfraqueço o carisma do "meu" movimento, mas, ao invés, fortaleço-o).
Pela meia dúzia de exemplos expostos (de entre muitos outros que poderia rebuscar), viver em comunhão é difícil e "perigoso": pode provocar abusos, amuos, inquietações, rupturas das rotinas; pode abater protagonismos pessoais e fazer emergir talentos escondidos – o que sempre gera algum "incómodo".
Quando (ainda) parece ser mais fácil (e mais eficiente) fazer-se tudo sozinho, ouçamos, em silêncio, Cristo. Não foi Ele que disse – e há muito tempo! – "quando dois ou três estiverem reunidos em Meu nome Eu estarei no meio de vós"?
Perante esta promessa, quem ainda ousa actuar sozinho?

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