Inventariação da Paróquia de Alvorge
José Eduardo Reis Coutinho
A 28 de Fevereiro, conclui-se a inventariação da paróquia de Alvorge, com um total de 128 fichas e numerosíssimas fotografias. Uma tarefa sempre acompanhada pelo senhor Prior, o Padre Pedro Manuel Luís.
Esta unidade territorial tem uma identidade pré-nacional, arqueologicamente rica e historicamente documentada: manifestando uma significativa ocupação desde o Neolítico, tem bons materiais da Idade do Bronze, um vasto acervo da Cultura Castreja, a estação mais importante da Idade do Ferro, no território sul de Conímbriga, e muitos vestígios do domínio romano, da época islâmica e proto-medieval portuguesa.
Incorporada, pela Reconquista Cristã, na área administrativa de Coimbra, é referida, pela primeira vez em diplomas conhecidos, através da herdade régia que Dom Afonso Henriques doou ao Mosteiro de Santa Cruz, em Fevereiro de 1141, e cujos limites, além de ainda perdurarem nas velhas extremas – então mencionadas como confrontações e continuamente respeitadas e, até, assinaladas com a colocação de marcos senhoriais, presentemente chamados marcos de freguesia – mencionam interessantes topónimos locais.
O conjunto da toponímia, consignada nos textos e perpetuada nos aglomerados rurais (apesar de alguma ter perdido a localização geográfica), expressa uma efectiva ocupação humana, muito antiga e profundamente reveladora da implantação moçárabe, com maior ou menor incidência islâmica: Alborge, significa a pequena torre; Façalamim, o campo do Emir; Alcalamouque, o acampamento da mesquita; Aljazede, a aumentadora. Figueiró, Vila Nova e Charneca são alusivos às iniciativas de repovoamento operado pelo senhorio crúzio, a fim de ali estabelecer, nas melhores parcelas, certo número de povoadores e agricultores, dando início às povoações que, em breves anos, apareciam comprovativas do decisivo arroteamento, realizado por vários casais de cultivadores.
Um intenso testemunho da demografia e da colonização complementa-se com uma praça forte e vários encastelamentos elementares, que denotam acções muçulmanas bastante radicadas e determinantes das indeléveis memórias desse passado distante, também retido em Ateanha, Bemposta, Bem Florido e Almálios.
Por ser atravessada, longitudinalmente, pela via romana, de Lisboa a Braga, contar diversos caminhos públicos e a strata maurisca, facilitava os sucessivos confrontos e ataques entre cristãos e maometanos, como esclarecem os fossados, as algaras e o motivo da construção do castelo de Germanelo, pelo mesmo rei Fundador, em 1142, embora já existisse um reduzido sistema defensivo, constituído pelas torres de defesa, de Alvorge/Ladeia e de Ateanha.
Conforme a carta de testamento, datada de 9 de Abril de 1160, Dom Afonso Henriques doa a herdade de Ateanha ao referido Mosteiro que, de pessoas particulares, vai recebendo heranças em Alcalamouque, Figueiró e Aljazede, tudo depois confirmado como património fundiário crúzio, através de privilégios papais de Lúcio II (30 de Abril de 1144), Eugénio III (9 de Setembro de 1148), Adriano IV (8 de Agosto de 1157), Alexandre III ( 16 de Agosto de 1163), Urbano III (6 de Maio de 1187) e Celestino III (26 de Fevereiro de 1192).
Mediante o aforamento registado em carta de princípios de Setembro de 1224, o Mosteiro de Santa Cruz concedia permissão a 40 povoadores para, com as mulheres e os filhos, desde a festa de São Miguel até finais de Janeiro seguinte, se repartirem pelas mencionadas herdades, constituírem casais, desbravarem as terras e promoverem o cultivo agrário, desenvolvendo as actividades agrícolas e incentivando a ocupação destas paragens, estipulando tributos aceitáveis, para que ali se fixassem moradores permanentes.
Devido ao procedimento tomado, há um alargamento da presença humana, em breve redundante na fundação da igreja, edificada no tracto concreto, mencionada em 1321 e dedicada a Santa Maria de Alvorge, a qual surgira a fim de dar satisfação aos sentimentos cristãos da população, estabelecida e existente como freguesia da neo-paroquialidade local, individuada e aglutinante do relacionamento praticado entre lavradores de prédios vizinhos, espontaneamente unidos no comum centro religioso, assinalado pelo campanário.
Nada de materializado subsiste desses tempos cristãos, quer pela pobreza da época, quer pelo facto de todos os utensílios de culto acabarem por ser substituídos por outros, consoante o decurso dos estilos estéticos trazia as novidades e Santa Cruz - ou a Universidade, a que pertencera, após 1537- valorizava o património religioso e sacro.
Como recuado testemunho, permanece o hagiotopónimo São Gens e o que resta de uma veneranda imagem, anterior ao século XV, a que pertence a actual, bem assim outras várias, mesmo arcaizantes, como a de São Martinho de Dume. As produções quinhentistas e os poucos azulejos hispano-árabes acentuam os inícios da fase manuelina, sequencialmente patente, a par das imediatas obras seiscentistas e setecentistas, também testemunhadas em castiçais de latão, estanho e alguma talha.
Relicários e prataria, provindos daquelas últimas centúrias, revelam apreciáveis bens patrimoniais, decerto devidos aos senhorios responsáveis pela gestão das localidades, o Mosteiro de Santa Cruz e a Universidade de Coimbra, respectivamente. Todavia, o geral dos objectos argenteos é de mediana qualidade, como se compreende.
Finalmente, apesar de muitas peças terem desaparecido e, da paramentaria pouco restar, um frontal de altar, de têxtil de Seiscentos, realça particularidades e o quanto havia disperso, nas capelas das maiores localidades, em parte enriquecidas pelo espólio deixado pelos presbíteros de lá naturais.
Em Ateanha, manifesta-se um facto singular: quando a extensa herdade foi dividida para que a área oriental entrasse na zona de rendimentos da Universidade, para financiar ordenados do reitor, de funcionários, de professores e propinas dos estudantes, tudo isso retirado à mesa prioral do Mosteiro de Santa Cruz, a capela passou a ter funções paroquiais, ainda evidenciadas pela variedade das alfaias, dos enterramentos no adro e, principalmente, pela presença da pia baptismal, colocada à entrada e nas proximidades do nicho para guarda dos santos óleos e da concha, usados no rito do Baptismo, um dos raríssimos casos assim documentados na diocese, atendendo às condições históricas das quais evoca sugestivas notoriedades.
Esta unidade territorial tem uma identidade pré-nacional, arqueologicamente rica e historicamente documentada: manifestando uma significativa ocupação desde o Neolítico, tem bons materiais da Idade do Bronze, um vasto acervo da Cultura Castreja, a estação mais importante da Idade do Ferro, no território sul de Conímbriga, e muitos vestígios do domínio romano, da época islâmica e proto-medieval portuguesa.
Incorporada, pela Reconquista Cristã, na área administrativa de Coimbra, é referida, pela primeira vez em diplomas conhecidos, através da herdade régia que Dom Afonso Henriques doou ao Mosteiro de Santa Cruz, em Fevereiro de 1141, e cujos limites, além de ainda perdurarem nas velhas extremas – então mencionadas como confrontações e continuamente respeitadas e, até, assinaladas com a colocação de marcos senhoriais, presentemente chamados marcos de freguesia – mencionam interessantes topónimos locais.
O conjunto da toponímia, consignada nos textos e perpetuada nos aglomerados rurais (apesar de alguma ter perdido a localização geográfica), expressa uma efectiva ocupação humana, muito antiga e profundamente reveladora da implantação moçárabe, com maior ou menor incidência islâmica: Alborge, significa a pequena torre; Façalamim, o campo do Emir; Alcalamouque, o acampamento da mesquita; Aljazede, a aumentadora. Figueiró, Vila Nova e Charneca são alusivos às iniciativas de repovoamento operado pelo senhorio crúzio, a fim de ali estabelecer, nas melhores parcelas, certo número de povoadores e agricultores, dando início às povoações que, em breves anos, apareciam comprovativas do decisivo arroteamento, realizado por vários casais de cultivadores.
Um intenso testemunho da demografia e da colonização complementa-se com uma praça forte e vários encastelamentos elementares, que denotam acções muçulmanas bastante radicadas e determinantes das indeléveis memórias desse passado distante, também retido em Ateanha, Bemposta, Bem Florido e Almálios.
Por ser atravessada, longitudinalmente, pela via romana, de Lisboa a Braga, contar diversos caminhos públicos e a strata maurisca, facilitava os sucessivos confrontos e ataques entre cristãos e maometanos, como esclarecem os fossados, as algaras e o motivo da construção do castelo de Germanelo, pelo mesmo rei Fundador, em 1142, embora já existisse um reduzido sistema defensivo, constituído pelas torres de defesa, de Alvorge/Ladeia e de Ateanha.
Conforme a carta de testamento, datada de 9 de Abril de 1160, Dom Afonso Henriques doa a herdade de Ateanha ao referido Mosteiro que, de pessoas particulares, vai recebendo heranças em Alcalamouque, Figueiró e Aljazede, tudo depois confirmado como património fundiário crúzio, através de privilégios papais de Lúcio II (30 de Abril de 1144), Eugénio III (9 de Setembro de 1148), Adriano IV (8 de Agosto de 1157), Alexandre III ( 16 de Agosto de 1163), Urbano III (6 de Maio de 1187) e Celestino III (26 de Fevereiro de 1192).
Mediante o aforamento registado em carta de princípios de Setembro de 1224, o Mosteiro de Santa Cruz concedia permissão a 40 povoadores para, com as mulheres e os filhos, desde a festa de São Miguel até finais de Janeiro seguinte, se repartirem pelas mencionadas herdades, constituírem casais, desbravarem as terras e promoverem o cultivo agrário, desenvolvendo as actividades agrícolas e incentivando a ocupação destas paragens, estipulando tributos aceitáveis, para que ali se fixassem moradores permanentes.
Devido ao procedimento tomado, há um alargamento da presença humana, em breve redundante na fundação da igreja, edificada no tracto concreto, mencionada em 1321 e dedicada a Santa Maria de Alvorge, a qual surgira a fim de dar satisfação aos sentimentos cristãos da população, estabelecida e existente como freguesia da neo-paroquialidade local, individuada e aglutinante do relacionamento praticado entre lavradores de prédios vizinhos, espontaneamente unidos no comum centro religioso, assinalado pelo campanário.
Nada de materializado subsiste desses tempos cristãos, quer pela pobreza da época, quer pelo facto de todos os utensílios de culto acabarem por ser substituídos por outros, consoante o decurso dos estilos estéticos trazia as novidades e Santa Cruz - ou a Universidade, a que pertencera, após 1537- valorizava o património religioso e sacro.
Como recuado testemunho, permanece o hagiotopónimo São Gens e o que resta de uma veneranda imagem, anterior ao século XV, a que pertence a actual, bem assim outras várias, mesmo arcaizantes, como a de São Martinho de Dume. As produções quinhentistas e os poucos azulejos hispano-árabes acentuam os inícios da fase manuelina, sequencialmente patente, a par das imediatas obras seiscentistas e setecentistas, também testemunhadas em castiçais de latão, estanho e alguma talha.
Relicários e prataria, provindos daquelas últimas centúrias, revelam apreciáveis bens patrimoniais, decerto devidos aos senhorios responsáveis pela gestão das localidades, o Mosteiro de Santa Cruz e a Universidade de Coimbra, respectivamente. Todavia, o geral dos objectos argenteos é de mediana qualidade, como se compreende.
Finalmente, apesar de muitas peças terem desaparecido e, da paramentaria pouco restar, um frontal de altar, de têxtil de Seiscentos, realça particularidades e o quanto havia disperso, nas capelas das maiores localidades, em parte enriquecidas pelo espólio deixado pelos presbíteros de lá naturais.
Em Ateanha, manifesta-se um facto singular: quando a extensa herdade foi dividida para que a área oriental entrasse na zona de rendimentos da Universidade, para financiar ordenados do reitor, de funcionários, de professores e propinas dos estudantes, tudo isso retirado à mesa prioral do Mosteiro de Santa Cruz, a capela passou a ter funções paroquiais, ainda evidenciadas pela variedade das alfaias, dos enterramentos no adro e, principalmente, pela presença da pia baptismal, colocada à entrada e nas proximidades do nicho para guarda dos santos óleos e da concha, usados no rito do Baptismo, um dos raríssimos casos assim documentados na diocese, atendendo às condições históricas das quais evoca sugestivas notoriedades.
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